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De:2010/01/24
A Crise Financeira Internacional, As Causas Prováveis – As Soluções Possíveis
Eduardo Serra Brandão
Vou então falar da mais grave crise financeira, que se tornou também económica, que o mundo conheceu depois da Guerra de 1939-45. Grave, profunda, extensa, desconhecida e cuja duração, intensidade e consequências são ainda uma incógnita.
Sabe-se que foram muito grandes os estragos imediatos, que causou muitos sustos, muitos prejuízos, alguma indignação pelas intervenções do Estado e, convenhamos, alguma satisfação inicial e alguma esperança sobre o estertor do capitalismo.
Como já disse alguém, esta crise foi um “verdadeiro tsunami financeiro”.
Assistimos ao espectáculo de os Estados aparecerem como derradeiro recurso para evitar a bancarrota generalizada, o que fez calar as vozes do ultraliberalismo económico. Foi a confirmação de que a ordem económica internacional repousava sobre uma imagem insustentável de crescimento e prosperidade sem fim, que se instalara na base do dinheiro fácil e contaminara, como se viu, todo o mundo. O próprio Greenspan, antigo presidente quase vitalício da Reserva Federal, confessou que tinha ido longe demais na sua confiança no bom funcionamento do mercado.
Verifica-se que esta crise é uma crise estrutural, que afecta todas as áreas, e transversal a todos os sectores. Conhecem-se as causas prováveis e também algumas soluções possíveis, mas ninguém está seguro sobre a sua razão e a sua eficácia. Os novos problemas poderão não ser resolvidos com soluções do passado.
O último Nobel da Economia dizia, há pouco tempo, no New York Times que não é possível prever se as medidas que estão a ser tomadas nos Estados Unidos e na Europa, e que seriam certamente adequadas a uma crise normal, serão suficientes ou apropriadas para debelar esta que actualmente defrontamos.
Começando com as falências financeiras nos Estados Unidos, rapidamente evoluiu para uma crise global que conduziu à falência iminente de muitos bancos europeus e a descidas vertiginosas nos índices bolsistas. Alguns países entraram em grandes dificuldades financeiras, como a Islândia que para ser salva da insolvência vai ser admitida na União Europeia.
Vejamos então as causas prováveis
Por inteligência ou por ideologia, há quem considere que as políticas de Ronald Reagan, Margaret Thatcher e Helmut Kohl são a origem remota desta crise.
Com o seu entusiasmo pelo liberalismo e pelo capitalismo, contribuíram para o progresso e enriquecimento dos seus países e para o aumento do poder de compra e do bem-estar dos seus concidadãos.
Com o seu entusiasmo pelo liberalismo e pelo capitalismo, contribuíram para o progresso e enriquecimento dos seus países e para o aumento do poder de compra e do bem-estar dos seus concidadãos.
Mas, há sempre um mas, o excesso de confiança nos operadores e a carência de regulação e de supervisão terão criado o ambiente que deu lugar ao egoísmo, a causa da crise segundo o Papa Bento XVI, ao oportunismo e à prática de operações ilegais, fraudulentas ou muito arriscadas.
Terá, depois, contribuído para a crise a legislação de Bill Clinton com vista a distribuir dinheiro para facilitar ou permitir a compra de habitação pelos hispânicos, eleitores democratas, e, para disfarçar, pelos funcionários e pelos veteranos com mais dificuldades. Com o mesmo fim, acabou com a separação entre bancos comerciais e bancos de investimento, pondo termo a uma lei de 1929.
Os bancos aproveitaram logo a oportunidade para fazer grandes negócios, facilitando e estimulando o crédito, com pouca ou nenhuma supervisão.
Usando intencionalmente frases de conhecidas personalidades, a “criatividade destrutiva do sistema financeiro”, actuando em completa liberdade, deu lugar ao “lixo tóxico financeiro” e às “armas financeiras de destruição maciça”.
Os governos e os analistas europeus tinham obrigação de ter visto que a crise na América apareceu em 2007, com o nome de crise do “subprime”, que, como escreveu Robert Shiller, da Universidade de Yale, se pode identificar como um ponto de viragem histórica nas nossas economia e cultura, resultado da “bolha” especulativa no mercado imobiliário, que começou a rebentar em 2006 e causou profundas fendas e rupturas, não só nos Estados Unidos mas em diversos países, com a concessão de empréstimos superiores ao valor da habitação.
Aumentavam assim o movimento e o lucro das instituições que geriam, dando lugar aos inacreditáveis prémios, “vergonhosos” no dizer de Obama, às administrações incompetentes ou distraídas das instituições financeiras.
Com tanto dinheiro, mais do que necessário para a posse da habitação, o americano viu reforçado o seu poder de compra e, comprando a prestações sem controlo, endividou-se, ficou sem dinheiro para pagar os empréstimos e a banca acabou por executar as hipotecas por valores irrisórios, muito inferiores às garantias dadas.
Verificou-se uma queda brutal nas vendas de habitações, arrastando consigo a crise na construção. Não é fácil acreditar que neste momento há perto de vinte milhões de casos de habitações vazias nos Estados Unidos da América.
A crise veio à superfície com o “credit crunch” ou crise de crédito, que foi uma súbita redução na disponibilidade de crédito ou um súbito apertar das condições requeridas para a obtenção de crédito através da banca. Há quem resuma as causas objectivas da crise nos Estados Unidos à excessiva facilidade do recurso ao crédito, à existência de taxas de juro muito baixas durante um longo período e à complacência face ao risco.
Mas há também quem diga que a crise financeira foi o resultado de o Estado se ter demitido do seu papel de vigilante e de uma crise de valores – políticos e éticos. Alguém disse que “a ideologia do sucesso, a qualquer preço, com qualquer lei, dominava a cena política há anos”.
A perspectiva de falência ou as suspeitas sobre a sorte de alguns bancos levam os depositantes a levantar os seus depósitos, as instituições a limitar o crédito, os empresários a não terem acesso ao dinheiro, o consumidor a reduzir as compras, os accionistas a vender na Bolsa a qualquer preço e, em consequência de tudo isto, vê-se aumentar assustadoramente o desemprego.
A crise financeira deu assim lugar à crise económica, ou como hoje se diz, “afectou gravemente a economia real”. E vai dar lugar à crise social, complicada e que já fez barulho na Grécia, na França e no Reino Unido.
O primeiro sinal da crise em 2008 foi a falência do banco Lehman Brothers em Setembro, como toda a gente sabe, e que o governo americano e o Congresso já lamentam não ter evitado. Não, neste caso, pela preocupação com o prejuízo dos accionistas, dos depositantes ou dos trabalhadores, porque isso, dizem os liberais, era o resultado do normal funcionamento do mercado – eliminando os inúteis e os mais fracos -, mas pelo que afectou a confiança no sistema bancário, que podia ter tido consequências muito mais graves.
Não se lembraram a tempo de que a confiança é a hemoglobina que corre nas artérias do sistema financeiro internacional.
Muitas e importantes instituições financeiras soçobraram na América e em todo o mundo logo a seguir ao Lehman Brothers e, no primeiro choque da crise, foram todas ajudadas pelos respectivos governos para evitar as falências e o pânico.
Entre os gigantes em dificuldades figuram, por exemplo, a União de Bancos Suíços, o Deutsche Bank, o Royal Bank of Scotland, e o Bank of America e o Citygroup nos Estados Unidos, este último com 200 milhões de contas, 12 mil agências em 107 países e empregando 400 mil trabalhadores.
A crise na América propagou-se quase instantaneamente pela Europa e pelo resto do mundo devido à capilaridade do mercado financeiro resultante da internacionalização dos bancos, da cumplicidade na exposição aos riscos, da permuta de capitais accionistas, das garantias colaterais e sobretudo da rapidez existente na transmissão de informações.
Os Árabes também não escaparam à crise, que expôs vulnerabilidades e fraquezas nas fundações institucionais das suas economias. Seis anos de “boom” petrolífero não os salvaram, designadamente os emiratos, da crise mundial: projectos imobiliários foram adiados, investidores e turistas estão em retirada e prevê-se, até, agitação social porque os seus governantes negligentemente nunca apostaram numa economia produtiva, aliás como alguns governos europeus nossos conhecidos.
A crise estendeu-se ao Extremo Oriente, onde a Coreia do Sul está com graves problemas e o Japão viu baixar em 30% o valor das suas exportações. Chegou também rapidamente à Índia e à China, que até há muito pouco tempo se sentiam livres das aflições do mundo rico.
A Índia tem um grande potencial, é uma democracia e está habituada às crises. A China, em 2008, já viu o PIB subir apenas metade do que costumava subir nos anos anteriores, agravando as perspectivas económicas. O Financial Times assegura que o governo chinês mente sobre o estado da sua economia e que a China já entrou em recessão. Se assim for, os americanos que se cuidem porque a China poderá ver-se na necessidade de pôr cá fora os triliões de dólares das suas reservas com consequências facilmente previsíveis para os Estados Unidos.
Fizeram parte da crise global a baixa generalizada nos valores dos títulos em Bolsa – tendo sido o sector bancário o mais penalizado - e a quebra do consumo devido à multidão dos desempregados, às famílias arruinadas e aos que não conseguem o crédito de que necessitam.
Também intervieram, de forma diferente, pouco transparente e não sabemos com que extensão, as chamadas operações “off-shore” nos paraísos fiscais. Não ajudou a evitar a crise o facto de uma boa parte da população do mundo ocidental ter vivido durante anos da especulação bolsista, que nada produz e não aplica mão-de-obra.
No fim de 2008, veio agravar a crise o colapso do superfundo de investimento de Bernard Madoff, a D. Branca americana que só tinha dele estas pequenas diferenças: o volume do dinheiro movimentado, a duração do engodo e o facto de D. Branca ter enganado ingénuos gananciosos e Madoff ter enganado especialistas financeiros gananciosos. Admira que ninguém tivesse estranhado que os juros fossem tão altos!
Segundo Fernando Sobral, Madoff transpirava confiança. Ao contrário do que sucede noutros países onde se desconfia e tem inveja de quem é ou fica rico, nos Estados Unidos os ricos são o expoente do sonho americano. Confia-se neles. Eles são um estímulo para quem quer ser como eles, Madoff era o expoente desse sonho. Mas o mundo onde viveu Madoff era de ilusões baseadas na confiança. Confiança que agora ruiu.
Sendo um dos maiores vigaristas de todos os tempos, dava-se ao luxo de seleccionar os clientes que aguardavam em longa lista de espera a sua oportunidade. Da clientela constavam muitas personalidades e instituições conhecidas, como o principal banco francês, metade dos bancos espanhóis, incluindo o Santander e o seu presidente, uma mão cheia de fundos israelitas e até bancos e fundos portugueses.
E o que é de estranhar é que a autoridade reguladora dos mercados financeiros norte-americanos recebia denúncias desde 1999 e nunca actuou.
E quais seriam então as soluções possíveis?
São muitas e variadas, e convém começar por lembrar o que fez o governo Sueco, quando no início dos anos 90 se viu confrontado com uma crise bancária. Alguns analistas americanos, face à crise que veio à superfície em Setembro, apresentaram ao Congresso, para servir de lição para as medidas que estavam já ali a ser preparadas, um relatório sobre a forma como a Suécia tinha evitado, de uma forma rápida e exemplar, o colapso do sistema financeiro na Escandinávia.
O governo Sueco criou uma agência estatal com ampla autoridade para actuar dentro dos seguintes princípios: 1) o processo deve ser transparente; 2) a agência deve ser política e economicamente independente; 3) deve ser mantida a disciplina do mercado; 4) deve ser elaborado um plano para rápida injecção de fluxos de crédito no sistema financeiro. O Financial Times vem agora dizer que a Europa deve seguir o modelo Sueco de recuperação ou não encontrará solução fácil para a crise.
Em linguagem simples, uma crise económica resolve-se com injecção de dinheiro no mercado para recuperar o investimento, aumentar o consumo e fomentar o emprego. No caso actual, a medida mais urgente foi não deixar falir os bancos.
A não ser assim, perdia-se a confiança no sistema bancário e faltaria a liquidez que permite a recuperação. O equilíbrio do sistema bancário, e não há a este respeito outra opinião, é indispensável às tentativas de resolução da crise.
As medidas europeias para combater a crise seguiram-se ao pontapé de saída dado pelo primeiro-ministro inglês, que apresentou um esquema coerente e que viria a ser seguido pela generalidade dos outros países.
As ajudas ao sistema bancário podem assumir várias formas: a nacionalização usada imediatamente pelos Suecos na crise dos anos 90, o aumento do capital dos bancos com dinheiros do Estado, os empréstimos remunerados aos bancos e a venda de garantias para a obtenção de crédito. Se houver sorte e boa gestão o Estado pode acabar por não perder ou até ganhar com estas ajudas quando a economia voltar à normalidade
Contrariamente às críticas ferozes e demagógicas feitas em alguns países ao apoio dos Estados aos bancos em dificuldades, devemos pensar que as garantias e o dinheiro mobilizados não se destinaram a proteger os banqueiros nem os accionistas, mas a salvaguardar a capacidade de oferecer crédito a quem ele é indispensável, a proteger as poupanças tão estimuladas, fruto de vidas inteiras de trabalho ou únicas fontes de sobrevivência e, sobretudo, a salvaguardar a confiança no mercado.
Tudo levava a crer que os Estados excluiriam da sua protecção os investimentos em fundos especulativos e aleatórios, mas o governo inglês, com surpresa e perante a gravidade da situação, já estabeleceu um regime para protecção dos activos “tóxicos” dos bancos, separando-os dos activos bons e colocando-os sob o controlo do Estado.
Como esta prática está a generalizar-se, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia vão fazer recomendações comuns a todos os Estados europeus para evitar a concorrência desleal. Também a administração Obama, melhorando uma intenção da administração Bush, decidiu reunir os activos “tóxicos”, ainda existentes, num banco criado para o efeito pelo Departamento do Tesouro.
Ao apoio à Banca segue-se a injecção de dinheiro no mercado, designadamente em obras públicas e em empresas com dificuldades.
Em determinados países, onde os grandes investimentos têm de ser feitos, eles devem aguardar melhor oportunidade, tendo em conta que podem comprometer a dívida externa; que são entregues normalmente a dois ou três grandes consórcios em vez de distribuírem o trabalho pelo país; que empregam sobretudo mão-de-obra não qualificada e que não têm resultados imediatos na resolução da crise.
Permitam-me um pequeno parêntesis, que nada tem a ver com a crise. Existe hoje, e é correcto, a preocupação do equilíbrio do binómio custo/benefício nos investimentos; mas ocorre-me pensar que se nos tempos antigos houvesse esta preocupação o planeta era muito insípido: não existiam as pirâmides do Egipto, o Taj Mahal da Índia, nem os castelos do Loire e da Baviera, tudo hoje atractivos para o dinheiro dos turistas de todo o mundo.
E voltando ao sério. O investimento, no conceito da União Europeia, dever ser racional. Deve ser espalhado por todo o país, ter realização e utilidade imediatas, privilegiando pequenas e médias empresas em obras nos sistemas educativo, energético e científico.
O pior, escreveu alguém, é que se fazem planos que, no papel, gastam milhões e empregam milhares, mas respondem mal às necessidades imediatas.
No caso Português, teria sido muito útil aproveitar as energias keynesianas do governo para investir na recuperação do património artístico, habitacional e arquitectónico: castelos, monumentos, igrejas, e, como escrevia Pulido Valente, “em qualquer um dos mil prodígios dispersos pelo interior que hoje lamentavelmente apodrecem ou caem em ruínas, no meio de uma unânime indiferença”.
Também uma antiga ministra da cultura manifestou a opinião de que “a crise pode constituir uma oportunidade para o património, se não persistir a miopia política que não permite olhá-lo como prioridade política e económica”.
O apoio às empresas varia de país para país de acordo com as suas possibilidades e as suas características, mas não pode ser feito ao livre arbítrio das autoridades e deve ter em atenção a transparência e a independência política e económica das decisões e das escolhas. É imperioso pensar que qualquer auxílio a empresas industriais – que não consigam aumentar o capital próprio - deve acorrer a dificuldades conjunturais e não estruturais, sob pena de se estar a gastar dinheiro para adiar os problemas.
Ainda nos lembramos do auxílio bem-intencionado, mas erróneo, que foi dado no século passado a empresas têxteis do Vale do Ave, que fecharam pouco tempo depois. E foi essa dúvida que levou o congresso americano a hesitar na ajuda à sua indústria automóvel que produz viaturas obsoletas, por serem altamente consumidoras e altamente poluentes.
É opinião da maioria dos economistas de que todas as medidas devem ser provisórias, até à completa resolução da crise, porque, como afirmou o Prémio Nobel da Economia de 2003, “a intervenção do Governo não é útil a longo prazo”.
Outra solução credível e muito apregoada é a redução de impostos. Pode ser geral, abrangendo todos os contribuintes e aumentando rapidamente o consumo, mas será considerada injusta e dificilmente suportável no Orçamento. Deve por isso encontrar-se soluções selectivas, que variam de economia para economia, como, por exemplo, promover o emprego, beneficiar empresas viáveis de interesse nacional ou alterar favoravelmente os escalões dos impostos.
Existe a opinião de que a baixa de impostos é a solução mais simples e reflecte-se logo no consumo, mas é menos eficaz na formação de empregos e dá menos retorno ao Estado. Parece, além disso, que as pessoas podem não reagir como se pretende e em época de crise e de insegurança nem sempre utilizam a baixa de impostos para consumir ou investir.
A redução de impostos, em vez de ser uma solução alternativa, deve ser uma solução complementar dos investimentos públicos. Assim fizeram já o Reino Unido, a França, a Alemanha e os Estados Unidos. E outros vão seguir o seu exemplo.
Outra solução complementar destas é a redução das taxas de juro, que é fácil e tem aplicação imediata, mas isolada não parece mostrar-se muito eficaz. É claro que o dinheiro barato facilita a recuperação e o desenvolvimento, mas também dispara pela culatra incitando ao endividamento excessivo e podendo provocar a inflação.
No entanto todos a aplicaram. E não deixa de ser curioso e revelador que a taxa, no Reino Unido, acabou de baixar para 1%, o valor mais baixo dos últimos trezentos e quinze anos!
A pior solução, até porque afinal já mostrou não ser solução, é o recurso ao proteccionismo. Os Estados, vendo a sua economia a afundar-se, tendem a fechar as fronteiras aos mercados exteriores e a baixar o valor da moeda para facilitar as exportações. Com a lei Smoot-Hawley que, na crise de 1929, aumentou os direitos alfandegários a 900 produtos, o comércio internacional baixou para menos de metade e deu lugar a uma espiral recessiva que levou à Grande Depressão e tanto trabalho deu ao presidente Roosevelt.
Logo que se percebeu a dimensão da presente crise, a Comissão Europeia propôs um plano abrangente para, em conjunto, atenuar o seu impacto no emprego, no poder de compra dos cidadãos europeus, no provimento de recursos de capital e, em resumo, na recuperação das economias.
Em Dezembro, os dirigentes da União Europeia reuniram-se para apreciar estas medidas numa tentativa para encontrar soluções coordenadas. Parece que não foi fácil o acordo, mas acabaram por fazer quase todos, mais ou menos, o mesmo e que também é, mais ou menos, o mesmo que vão fazer os Estados Unidos.
Temos de reconhecer que a solução de uma crise global como a presente depende da combinação dos factores nacionais e internacionais existentes na altura e a sua resolução está ligada às características e às condições financeiras de cada Estado.
A cooperação entre todos mostra-se indispensável à sua solução. Foi por isso que o Forum Económico Mundial, que reuniu, no fim de Janeiro em Davos, 2500 políticos, empresários, economistas e muitas pessoas que não têm mais que fazer, escolheu este ano para tema o debate da crise. E, concluíram, como eu, que os Estados Unidos são os responsáveis últimos da crise, que é preciso evitar o proteccionismo e que a crise ainda não bateu no fundo. A extrema-esquerda diz que o Fórum é uma reunião de ricos para inventar novas maneiras de enriquecer à custa de todos os outros.
Indicadas as causas mais prováveis e mencionadas as soluções possíveis mais conhecidas, termino com algumas observações, que diria avulsas, acerca do pouco que podemos dizer sobre o que nos espera.
Mais uma vez, nas intervenções que faço, afirmo que não vou dizer o que quero ou não quero que aconteça, mas sim o que aconteceu e o que penso que vai acontecer. Todos os economistas consideram que 2009 vai ser pior que 2008, mas não se sabe bem como e até onde vai ser pior. Os mais pessimistas não sabem quando ela acaba e acreditam que a crise mundial não se resolverá enquanto a América não resolver a sua própria crise.
Vão melhorar sem dúvida a regulação e a supervisão da actividade bancária, os bancos actuarão de forma diferente, e vamos ter, finalmente, a penalização das actividades ou operações ilegais ou perigosas. Alguém escreveu, com graça, que os bancos viveram despreocupados estes últimos anos, investindo em aplicações cuja origem, composição e valor desconheciam. Aperceberam-se agora envergonhados da sua ingenuidade e do seu afastamento de tradições respeitáveis, e hoje só emprestam, sem margem para dúvida, a quem não precisa.
(fim de citação)
Todos sabem que o próximo ano vai trazer mais despedimentos e encerramento de empresas e que parte das dívidas existentes nunca chegará a ser paga. A grande característica deste tempo é a incerteza existente em todos os sectores e que não vai passar tão depressa quanto seria desejável. Paul Krugman, o mais recente Nobel da Economia, disse que o fim da crise está distante e que vão surgir mais escândalos financeiros e mais nacionalizações de bancos.
O secretário-geral da OCDE também disse que o pior está para vir, mas, como não tem a responsabilidade de um Prémio Nobel, arrisca a previsão de que o crescimento das economias da moeda única já acontecerá em meados de 2010.
O sociólogo António Barreto comentava recentemente o disparate e a precipitação das seguintes frases que foram ditas no início da crise: “É o regresso a Marx”; “É o fim do capitalismo”; “Acabou a hegemonia americana”; “O Estado tem de tomar conta da economia”.
A leitura destas frases fez-me lembrar o célebre economista russo Nikolai Kondratiev que, estudioso das longas crises económicas, descobriu que o capitalismo surge revigorado depois delas.
Desafortunadamente para ele, que já tinha impressionado Lenine com o seu talento, publicou um livro, que chegou a ser editado na Alemanha, em que mostrava que o capitalismo, sujeito a periódicos embaraços, nunca se destrói por si mesmo.
Com tanta clarividência e tanta coragem, Estaline mandou-o reflectir para um “gulag” na Sibéria e, como ele não tinha emenda e continuava a pensar, deu ordem a Molotov para o mandar executar, tendo sido fuzilado com 45 anos de idade.
Concordando com Kondratiev, eu diria que vamos continuar a ter um mundo globalizado e estruturado segundo os princípios da economia social do mercado, orgulho da civilização europeia ocidental.
Foi esta ideologia que assegurou o progresso e a liberdade no mundo ocidental e que, adaptada à China e à Índia, já tirou da pobreza centenas de milhões de seres humanos.
O presidente Obama considera a crise americana devastadora e diz que é importante regular os mercados, mas que eles continuam a ser uma força determinante para expandir a liberdade e o bem-estar. Não difere muito de Pinto Leite quando este escreveu que “a resposta à crise, seja qual vier a ser a sua dimensão, não é menos capitalismo, mas melhor capitalismo, não é mais Estado, mas melhor Estado”.
Em Janeiro, como já havia poucas notícias más, veio um colaborador do respeitável Financial Times admitir a possibilidade de desintegração da Europa do Euro, porque os grandes Estados, também eles com enormes dificuldades, poderiam não estar dispostos a suportar os erros ou a negligência de outros Estados que deixaram aumentar o endividamento externo em percentagens do PIB inaceitáveis.
Felizmente, o comissário europeu Almunia já rejeitou os riscos de insolvência de países do Euro, mas frisou que é preciso uma rápida aplicação dos estímulos à economia e à normalização do crédito. Também o presidente Trichet do Banco Central Europeu veio sossegar os espíritos dizendo que a solidez do euro não está em causa.
A agência Standard & Poors que, por incumbência da Comissão, avalia o mérito e o risco de cada Estado europeu, baixou recentemente o “rating” de Portugal no mercado financeiro, o que significa que o crédito a obter no exterior vai ficar mais caro e que haverá menos crédito. Segundo esta agência, a grande dívida externa portuguesa resultou da nossa baixa produtividade, da pouca diversidade das exportações e, muito principalmente, da situação financeira que teve início dez anos atrás.
E acrescentou que Portugal, com as medidas até agora previstas, terá muitas dificuldades em reduzir a dívida externa. Também são pessimistas a nosso respeito a Comissão Europeia e a revista “The Economist”.
Não discordo das razões apontadas pelo avaliador, mas lembro que esta mesma agência falhou redondamente nas apreciações que fez da insolvente República da Islândia e do falido banco Lehman Brothers, que tinha considerado em excelentes condições.
Ainda a este respeito, cito uma visão inesperada e optimista do Prof. César das Neves quando escreveu que, com a descida do nosso “rating”, Portugal vai finalmente ser forçado a entrar no bom caminho e corrigir a sua situação financeira. Bendita crise, se nos der juízo!
Para não me chamarem profeta da desgraça, vou fazer um pequeno esforço para terminar num “happy-end”. Por muito má que seja a situação no mundo, e lá fora na rua, com as notícias de falências e despedimentos que diariamente nos angustiam, é minha convicção de que a baixa dos juros e a grande queda da inflação – que pode até vir a tornar-se perigosa - vai conferir uma folga nos orçamentos familiares e, em consequência, a grande maioria dos leitores, que não vivam só de juros ou dividendos, não perderá poder de compra no ano de 2009 e, também de 2010 se não houver aumento de impostos ou corte de subsídios.
Oxalá não erre esta simpática previsão, porque qualquer outra seria, perigosamente, muito menos optimista.
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CADERNO DE PENSAMENTOS:
O autor, antigo presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, Auditor de Defesa Nacional e especialista em temas de Segurança, Defesa e Relações Internacionais, produziu o texto em referência de forma simples, precisa e concisa, que obedecendo aos princípios técnicos e científicos específicos, dispensa qualquer espécie de comentário adicional.
Na verdade, o texto fala por si com o leitor criando explicações simples e precisas sobre assuntos complexos e muito elaborados no seu raio de acção, ao mesmo tempo que provoca uma interacção da leitura com o “problema específico” em análise, fazendo o leitor reviver a situação descrita e as suas consequências actuais numa dimensão em tempo útil, realístico e com uma profundidade de conhecimento notável.
Haverá razão precisa para afirmar que “tudo” da actual crise política, económica e estratégica que percorre todos os países dos cinco continentes está explicado neste texto, salvaguardando situações peculiares de países mais blindados às influências dos acidentes trágicos políticos e económicos dos Estados que são as grandes potências estratégicas do nosso mundo globalizado.
Tudo parece, afinal, ter sido muito simples, quase estúpido e evitável; acontecimentos extremamente complicados na sua formação e amadurecimento de base, e delicados no que respeita aos especialistas envolvidos e à credibilidade de instituições financeiras (por exemplo) que foram, pura e simplesmente, ludibriadas na sua conduta técnica infalível e nas suas políticas económicas (o que será impossível de acontecer num plano teórico), e cuja compreensão em tempo útil é critica para o governo de qualquer Estado do mundo, aparecem neste texto claramente identificados e explicados;
adicionando a toda esta problemática as medidas prováveis para uma resolução eficiente e eficaz.
Recomenda-se, portanto, uma boa leitura e uma atitude útil no contexto em que se desenvolve este tema.
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